Cheiro de cereja, de folhas molhadas, de couro? Por que percebemos estes aromas nos vinhos?
Uma das manifestações sensoriais mais encantadoras e de maior impacto no vinho são seus aromas.
Então vamos partir do início e explicar como funciona o sentido do olfato: as partículas de cheiro (odoríferas) são percebidas na cavidade nasal, numa pequena área da mucosa, de poucos milímetros de extensão, onde se localizam as células nervosas responsáveis pela captação dos estímulos olfatórios.
E, para que tenhamos a percepção de um odor, é necessário que ele tenha um mínimo de intensidade, que depende de sua concentração, de sua pressão de vapor (os aromas são voláteis e assim alcançam a cavidade nasal) e de seu limiar de percepção olfativa, pois, alguns provadores são mais sensíveis a determinados cheiros e outros menos. Além disso, fatores fisiológicos, em relação à mucosa nasal, também podem modificar a percepção olfativa.
É importante registrar que só identificamos os aromas que conhecemos, ou seja, aqueles que estão presentes na nossa memória olfativa. Portanto, para que possamos identificar uma maior gama de aromas, precisamos treinar diariamente, e fazemos isso observando os aromas dos alimentos, dos ambientes, de tudo que nos circunda. É necessário saber dar nome às partículas odoríferas captadas pelo sistema olfativo. Muitas vezes, o cheiro é percebido pelo provador, mas ele não é capaz de recordar a que substância o aroma está relacionado. É quando usamos aquela velha frase: “este cheiro me lembra algo …”.
Assim, quando um vinho traz um aroma familiar, é comum que façamos analogia com algo conhecido, que possua característica aromática semelhante, e que utilizemos este termo para descrever aquela sensação. Este termo é chamado de descritor aromático.
Por exemplo, se analisarmos um vinho e sentirmos o aroma de “framboesa”, este será o descritor de aroma utilizado. Isso ocorre porque, contrariamente ao que sucede com outras sensações, não há recursos linguísticos para designar de forma absoluta os cheiros.
Quando falamos que um objeto é “vermelho”, não há a necessidade de recorrer à analogia (a um descritor) para que as demais pessoas compreendam o seu sentido, ou seja, podemos dizer: o “papel é vermelho”, pois se trata de uma definição clara, suficiente e comum à maioria das pessoas. Não há a necessidade de dizermos que o “papel tem cor de framboesa”.
Porém, se o papel apresentar um odor de framboesa, como não é conhecida a substância química que atribui este aroma à framboesa, é comum empregarmos o descritor: o “papel tem cheiro de framboesa”. Não existe, isoladamente, um “cheiro framboesa”, como também não existe “framboesa” no papel.
Podemos explicar parcialmente este fenômeno pela origem dos estímulos que despertam as sensações. Descrevemos a visão e a audição como sentidos “físicos”, enquanto, a olfação e a gustação, seriam “químicos”. No primeiro caso, os olhos e os ouvidos são estimulados, respectivamente, por ondas luminosas e sonoras. Além disso, a percepção das formas, distâncias, cores e intensidades é quase sempre a mesma para todas as pessoas.
Vamos imaginar que cada um percebesse essas características de uma maneira diferente. Atravessar uma rua movimentada seria uma tarefa praticamente impossível, veja: o semáforo que seria vermelho para uns, poderia parecer verde para outros; o ruído de um veículo que, aparentemente estivesse a 1000 metros, poderia, em realidade, estar a apenas 10m.
Por outro lado, os sentidos “químicos”, ou seja, os estímulos olfativos ou sápidos, são gerados por moléculas que devem entrar em contato íntimo com outras moléculas presentes na cavidade nasal ou nos receptores gustativos. No caso olfativo, as moléculas odoríferas devem ser pequenas e voláteis de modo que possam ser levadas pelo ar inspirado, e alcançar a nossa mucosa nasal.
Agora ficou fácil entender! Quando dizemos que um vinho tem aroma de “framboesa”, é porque as moléculas voláteis que se desprenderam do líquido são as mesmas, ou muito semelhantes, àquelas que são liberadas pelas framboesas. Vejam só, a “beta-ionona” é a substância responsável pelo aroma de “framboesa” nas framboesas, no “papel” e no “vinho”, usados como exemplos. Imagine se, ao apreciar um vinho com amigos, ao sentir o aroma, você dissesse: “sinto aqui o aroma de beta-ionona!”. Seria no mínimo engraçado, sem contar que você precisaria ter uma excelente memória para se lembrar deste nome.
Não chamamos estas substâncias químicas por seus nomes científicos no dia-a-dia, até por que seus nomes são complexos. Então, para identificar essas moléculas odoríferas, empregamos a analogia, o descritor aromático. Desta maneira, o provador dirá que o vinho apresenta aroma de “framboesa” e não de “beta-ionona”.
Outro ponto importante é que, a aquisição do repertório olfativo é uma experiência que muda de pessoa para pessoa, segundo sua educação e cultura, logo, os descritores aromáticos empregados para determinadas substâncias químicas variam entre os indivíduos. Dessa forma, a sensação desencadeada pela “beta-ionona”, que desprende do vinho, pode ser decodificada de uma maneira diferente, não apenas como “framboesa”, mas também pelo nome de um perfume ou de um brinquedo contendo “beta-ionona” que o provador costumava usar ou brincar na infância, por exemplo.
Enfim, a principal característica que diferencia um grande vinho de um mais simples: é sua capacidade de evoluir, de desenvolver um conjunto de aromas, após permanecer retido dentro da garrafa por meses, anos, décadas. São estes aromas que surpreendem e seduzem seus apreciadores.
Bem, depois de descobrir como funciona a magia dos aromas no vinho, só nos resta abrir uma boa garrafa e apreciar seus espetaculares e inebriantes aromas: tim-tim!
Por Alê Mendonça – Sommelier Profissional e Diretora de Eventos da ABS-DF