Mesmo sem se desviar das exigências legais que fazem com que uma bebida possa ser chamada de vinho, enólogos e produtores estão constantemente ousando e criando novas técnicas, tecnologias, e mesmo novos produtos no mundo da enologia.
Não dá para dizer que o vinho laranja seja uma dessas recentes inovações. Na verdade, ele é quase tão antigo quanto a história do próprio vinho. E se formos a fundo na melhor acepção do termo “inovação”, ele seria talvez o mais “atrasado”, ou, para não ser tão cruel, o mais conservador e natural em sua forma de produção.
Por outro lado, ainda hoje, se você mencionar o vinho laranja numa roda de amigos, provavelmente a reação de alguns será de surpresa, estranheza, descrença, o que faz com que o vinho laranja talvez ainda possa ser considerado uma “novidade”. Ele é ainda muito pouco difundido no mercado do vinho, há uma produção bastante discreta e, no Brasil, os preços dos importados da espécie são elevados, especialmente quando comparados com seus “rivais” brancos, rosés, tintos e espumantes.
A origem
A técnica de produção desse vinho é milenar, mas a retomada mais intensa de produção aconteceu na década de 90, quando dois vinicultores de Friuli, na Itália, perceberem que daria para aproveitar a casca grossa de uma uva local, sem apenas descartá-la após a prensagem. Passaram a incorporá-la na fabricação do vinho laranja.
Estamos falando, então, de duas origens: uma bastante remota, e outra bem contemporânea. Os vinhos laranjas atuais são, portanto, uma releitura dos vinhos produzidos nas origens da viticultura. Também se pode considerá-los os ancestrais dos vinhos brancos atuais. O nome georgiano como são chamadas as ânforas de argila em forma oval onde eram produzidos os vinhos mais primitivos de que se tem conhecimento é Kvevri ou Qvevri, logo, é também comum os vinhos laranja serem conhecidos vinhos de kvevri.
Apesar de os dois serem feitos de uvas brancas, o que difere os vinhos laranjas dos vinhos brancos é o processo de deixar o sumo das uvas prensado junto com as suas cascas durante a maceração, como acontece na fabricação de vinhos tintos. Ou seja, os sucos das uvas são mantidos por longo tempo em contato com as cascas, adquirindo, desse modo, elementos como polifenóis, alguma cor e textura rugosa. Alguns deles são melhores descritos por termos como “viscosos” em vez de “densos” ou “de bom corpo”.
O estilo de fabricação em geral é orgânico, ou seja, em sua maior parte, a produção dos vinhos laranjas segue regras mais naturais, que dispensam o uso excessivo de químicos nos vinhedos ou na fermentação. Apenas em alguns casos, o enxofre é utilizado para inibir a proliferação de leveduras selvagens, que estão presentes nas cascas das uvas.
Ora vemos técnicas menos remotas, como a biodinâmica, ora as radicais, que proscrevem os sulfitos (SO2), ora os verdadeiramente amparados em antepassados, como os “laranjas” produzidos em ânforas de barro, pelo método ancestral.
A cor
Sua coloração alaranjada, que transita entre o dourado intenso e o âmbar (e até mesmo o cobre!) decorre, como já vimos, do processo de maceração das uvas brancas com o mosto. A vinificação “oxidativa” – ou pelo menos não exasperadamente protetiva à ação do oxigênio – reforça esta pigmentação da matéria colorante. Quanto maior o tempo de contato das cascas com o mosto, tanto mais intensas serão as cores finais do vinho.
O aroma
Por transitarem entre o branco e o tinto, os vinhos laranjas seriam mais ricos em perfil aromático. Teriam uma complexidade ímpar, revelando desde notas florais, de cítricos confitados, de drupas (pêssegos, nectarinas, cerejas, etc.) e frutas secas, ervas, amêndoas, até notas “savoury” de cogumelos, de “sottobosco”, além de fortes acentos minerais.
O sabor
Além da cor, outro grande diferencial do vinho laranja é a presença de algum tanino no sabor, o que não é uma característica comum nos vinhos brancos, também feitos de uvas brancas. Como consequência dos taninos variados e das diferentes intensidades, alguns deles lembram o sabor dos vinhos tintos delicados.
O vinho laranja é considerado por alguns como suntuoso no paladar, com uma textura pronunciada, mas suave e refrescante. Mas pode trazer um certo amargor, que não é defeito, pelo método de produção.
O vinho laranja pode não ser muito indicado para iniciantes, exatamente devido a sua complexidade.
Espumante Laranja
E não é que existem também espumantes laranjas, e não apenas vinhos tranquilos? Isso mesmo! Já provei – e aprovei – um espumante laranja brasileiríssimo, da Família Geisse, o Cave Amadeu Laranja Nature 2018. Achei-o excelente, a propósito: de cor âmbar, límpido e brilhante, pérlage intensa, fina e persistente, aromas de panificação e cítricos e muito refrescante!
Rótulos
Algumas vinícolas preferem colocar no rótulo a expressão VINHO LARANJA, ou ORANGE WINE, ou VINO NARANJA, enquanto outras omitem totalmente no rótulo qualquer menção a se tratar de um vinho laranja, embora o sejam. Os italianos preferem a expressão VINO AMBRO (âmbar, em italiano). O certo é que quase todas trazem o rótulo ou na cor laranja, ou com detalhes em laranja. Em inglês, também há os termos “skin fermentend”, ou seja, “fermentado com as cascas”, “skin macerated” (macerado com as cascas), e ainda “amber wine” (na Geórgia).
Por fim, alguns rótulos incluem a palavra KVEVRI, como os da linha “Shabo”, da Ucrânia.
Harmonização
Para resumir a versatilidade do vinho laranja à mesa, ele faz o papel de um grande branco acompanhando peixes e crustáceos, mas também faz as vezes de um tinto escoltando com perfeição até carnes mais intensas em sabor. É um vinho coringa!
Por ter aroma muito diferente dos brancos normais, de frutas secas e notas oxidativas ou terrosas, e também por apresentar níveis de taninos variados e em diferente intensidade ele, por vezes, até remete aos vinhos tintos delicados. Isso o torna excelente para harmonizar com comidas, quiçá mais do que a maioria dos brancos e até alguns tintos. Segundo o sommelier brasileiro Guilherme Corrêa, da importadora Decanter, o vinho laranja fica bem com frutos do mar, peixes, comidas muito temperadas, como as asiáticas ou certos pratos brasileiros. “Também harmoniza com praticamente qualquer carne, até mesmo a de cordeiro”, ressalta.
Fontes de pesquisa para produção deste artigo: sítios na internet: Decanter, Revista Adega – UOL, Sonoma, Estadão, ABS-São Paulo, Art des Caves – Blog de Adegas e Vinhos, Blog Vinho Tinto, Observador, Vinhos com Fernando Lima, Winechef, Vinho Perfeito, Blog Best Win, Pick Luck, The Buyer.
Por Rudinei Santos – Sommelier Profissional e Diretor Tesoureiro da ABS-DF